quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Decisão do TST permite que Souza Cruz mantenha provadores de cigarro

Por maioria de votos, a Souza Cruz S. A. obteve, no Tribunal Superior do Trabalho, decisão que lhe permite manter trabalhadores no chamado "painel sensorial" de avaliação de cigarros. A Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) deu provimento a seu recurso de embargos e  reformou condenação que lhe impôs a obrigação de se abster de contratar trabalhadores para esta atividade.

A maioria dos ministros seguiu a divergência aberta pelo ministro Ives Gandra Martins Filho, no sentido de que a atividade, sendo lícita e regulamentada, não poderia ser proibida. Também por maioria, a indenização por dano moral coletivo fixada pela Justiça do Trabalho da 1ª Região (RJ), no valor de R$ 1 milhão, foi confirmada.

Ação civil pública
O recurso de embargos julgado pela SDI-1 teve origem como ação civil pública proposta em 2003 pelo Ministério Público do Trabalho da 1ª Região a partir de ação individual movida por um ex-empregado da Souza Cruz que cobrou, na Justiça Comum, indenização por problemas de saúde decorrentes de vários anos no "painel sensorial". A 15ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro condenou a empresa a deixar de contratar os provadores, a prestar-lhes assistência médica por 30 anos e a pagar indenização por danos morais difusos e coletivos.

A condenação foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ). A Sétima Turma do TST manteve a proibição, mas afastou a indenização. Tanto a empresa quanto o Ministério Público interpuseram então embargos à SDI-1 – a primeira buscando suspender a proibição, e o MP defendendo o restabelecimento da indenização.

Cobaias humanas
Para o Ministério Público do Trabalho, o termo "painel sensorial" é apenas um "nome fantasia" para o que, na prática, seria "uma brigada de provadores de tabaco", que provam cigarros da Souza Cruz e dos concorrentes com a finalidade de aprimorar o produto comercialmente. Embora a fabricação e o consumo de cigarros sejam lícitos, trata-se de atividade "sabidamente nociva à espécie humana". A submissão de empregados ao painel sensorial, portanto, configuraria conduta ofensiva à saúde e à vida dos trabalhadores.

Na inicial da ACP, o Ministério Público sustentou que a saúde do trabalhador e o meio ambiente de trabalho são direitos sociais garantidos pela Constituição e de cumprimento obrigatório pelo empregador, e os princípios da livre iniciativa e do valor social do trabalho têm de ser conciliados. "Ao levar o empregado, mesmo com seu consentimento, à condição de ‘cobaia' para a realização de experimentos de repercussão desconhecida para o ‘homem comum', sob a promessa de remuneração maior, o empregador ignora todos os preceitos legais garantidores dos direitos do trabalhador", afirmou o MPT.

Outro fundamento usado foram as Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que tratam diretamente da saúde dos trabalhadores (Convenções 148, 155 e 161, todas ratificadas pelo Brasil). O país também é signatário da Convenção-Quadro sobre Controle do Uso do Tabaco, da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Para o MPT, a empresa, na condição de fabricante de cigarros, "anda na contramão do movimento nacional e internacional" contra os riscos do tabaco. Mais do que isso, porém, ao contratar os provadores, estaria promovendo "pesquisas envolvendo seres humanos sem observância das normas legais" e utilizando "empregados como cobaias".

Atividade lícita
Ao contestar a ação civil pública, a Souza Cruz defendeu que a avaliação de cigarros é essencial para garantir a uniformidade do produto, e a técnica do painel sensorial é usada internacionalmente. A proibição, imposta somente a ela e não às empresas concorrentes, afetaria sua posição no mercado. Para o advogado da empresa, a legislação brasileira não opta pela proibição quando há risco na atividade, e sim pelo acréscimo remuneratório.

Destacou, entre outros aspectos, que a adesão ao painel sensorial é voluntária e restrita aos maiores de idade e fumantes. Além disso, não integra o contrato de emprego, e tem natureza jurídica de prestação de serviços. "O painelista pode, a qualquer tempo e sem qualquer justificativa prévia, desligar-se do programa de avaliação", afirma a empresa.

Nas razões de embargos, a empresa sustentou que a proibição, na prática, enquadrou a atividade como insalubre sem a observância dos requisitos previstos na CLT (artigos 189 e 195) e sem que ela conste da Norma Regulamentadora nº 15 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Outro argumento foi o de que atividade é reconhecida pelo MTE no Catálogo Brasileiro de Ocupações (CBO) nas classificações 1246-10 (blender de cigarros) e 8422-35 (degustador de charutos).

Para o fabricante de cigarros, a decisão violou diversos dispositivos e princípios constitucionais, entre eles o da livre iniciativa (artigo 1º, inciso IV), o da separação dos Poderes (artigo 2º), o do livre exercício profissional (artigo 5º, inciso XIII) e do direito ao trabalho (artigo 6º).

SDI-1
Os embargos começaram a ser julgados em agosto de 2012. O relator, ministro Augusto César Leite de Carvalho (foto), votou no sentido de não conhecer do recurso da Souza Cruz, mantendo a proibição, e dar provimento ao do MPT, restabelecendo a indenização por dano moral coletivo.

Entre outros fundamentos, o voto do relator destaca a existência de uma norma jurídica supralegal – a Convenção-Quadro da OMS – pela qual o Brasil se obriga a adotar medidas eficazes contra a exposição do tabaco em locais fechados de trabalho. "Os órgãos jurisdicionais brasileiros estão compelidos a emprestar eficácias a essa norma jurídica, não lhes sendo facultado criar áreas de imunidade à ordem normativa com apoio no princípio da liberdade", afirmou.

No seu entendimento, portanto, não apenas os trabalhadores, mas também "a empresa que os contrata para experimentar cigarros em recinto fechado, em detrimento da Lei Antifumo e dos preceitos constitucionais e supralegais já referidos, expõe-se à sanção legal", afirmou.  

Divergência
Ainda na primeira sessão de julgamento, o ministro Ives Gandra Martins Filho (foto) abriu a divergência que seria seguida pela maioria. Ele acolheu os argumentos da Souza Cruz de que o painel sensorial, essencial para a empresa realizar o controle de qualidade de sua produção, não pode ser desempenhado por máquinas. "Não se conseguirá dar padrão de qualidade sem a atividade humana", observou.

O ministro destacou também o fato de o provador ser voluntário, exercer a atividade durante meia hora pela manhã e meia hora à tarde, e ser fumante, uma das condições impostas pela empresa. "Este empregado está sendo mais prejudicado por desenvolver a atividade?", questionou. "O prejuízo já existe pelo fato de ele ser fumante".
Pesou na fundamentação do voto divergente, também, o fato de a atividade ser regulamentada pelo Ministério do Trabalho e estar sujeita a limites legais, e de o fumo não ser proibido. "Se se admite o fumo, não podemos impedir que essa atividade seja desenvolvida por um empregado voluntariamente, de forma limitada", assinalou. Para o ministro Ives, a intervenção do Ministério Público numa situação em que as partes envolvidas – estado, empregados e empregadores – estão de acordo seria indevida.
Ele traçou um paralelo com a atividade dos mergulhadores de plataformas de petróleo, "sujeitos a condições muito piores" que a dos provadores de cigarro – um dos argumentos levantados pela Souza Cruz em sua defesa. "É uma atividade nociva – tanto que é grande o número de mortes é elevado e os mergulhadores se aposentam aos 40 anos devido ao desgaste da profissão -, mas aceita, porque é necessária para a operação de manutenção das plataformas", comparou.

Julgamento
Na mesma sessão, o ministro José Roberto Freire Pimenta seguiu o voto do relator. O ministro Vieira de Mello Filho quarto a votar, apresentou voto alternativo, no sentido de fixar condições para o exercício da atividade: os provadores trabalhariam no painel sensorial por seis meses, com uma semana de intervalo a cada três semanas. Ao fim de seis meses, ficariam afastados durante três, podendo optar por retornar ou não à atividade. Na sequência, o julgamento foi interrompido por pedido da ministra Delaíde Miranda Arantes, que, no retorno de vista, seguiu o relator. Na mesma sessão, em 4/10/2012, houve novo pedido de vista regimental, desta vez formulado pelo presidente do TST, ministro João Oreste Dalazen.

Ao trazer o processo de volta à SDI-1, em 13/12/2012, o presidente acompanhou a divergência no sentido de permitir a atividade, e o relator em relação à indenização por dano moral coletivo. "Cabe ao Poder Judiciário, mais precisamente à Justiça do Trabalho, uma vez provocada, velar pela obediência aos direitos fundamentais, impondo às empresas a obrigação de adotar medidas que minimizem os riscos", afirmou.
Votaram ainda integralmente com a divergência a ministra Cristina Peduzzi, vice-presidente do TST, e o ministro Brito Pereira.

A ministra lembrou que, por mais que se reconheçam os efeitos danosos do fumo, o ordenamento jurídico-constitucional possui princípios que impossibilitam, sem a devida regulamentação legal, o estabelecimento de restrições à atividade dos provadores. Para Brito Pereira, a participação dos provadores no painel sensorial, embora potencialmente ofensiva, não constitui atividade ilícita, e não se pode impor à empresa a obrigação de se abster da prática de atividade essencial a produção com qualidade do seu produto. O ministro Barros Levenhagen acompanhou a opção alternativa do ministro Vieira de Mello Filho, no sentido de fixar condições para o exercício da atividade.

O ministro Lelio Bentes foi o único que votou integralmente com o relator.  Para ele, não se podem ignorar os problemas de saúde causados ao trabalhador. "O que a legislação determina é, na impossibilidade da eliminação do risco, a utilização de equipamento de proteção individual. O que se indaga é: qual equipamento capaz de proteger o fumante do câncer de boca, de laringe, de pulmão, de esôfago e de estômago?", questionou.

Conclusão
Na sessão de hoje (21) da SDI-1, o ministro Alberto Bresciani, que tinha pedido vista regimental do processo, o trouxe de volta a julgamento, e seu voto acompanhou o do relator. A última ministra a votar, Dora Maria da Costa, seguiu a divergência.

Ao fim do julgamento, o ministro Levenhagen reformulou seu voto para seguir integralmente a divergência, afastando a obrigação de não fazer. Ficaram vencidos, portanto, o ministro relator, Augusto César Leite de Carvalho, e os ministros José Roberto Freire Pimenta, Delaíde Miranda Arantes, Alberto Bresciani e Lelio Bentes Corrêa. Seguiram a divergência os ministros Dalazen, Cristina Peduzzi, Brito Pereira, Dora Costa e Barros Levenhagen.

Com relação aos embargos do Ministério Público, prevaleceu o voto do relator, que restabeleceu a indenização por dano moral coletivo. Ficaram vencidos os ministros Ives Gandra Filho, Cristina Peduzzi, Vieira de Mello Filho, Dora Maria da Costa, Barros Levenhagen e Brito Pereira. O acórdão será redigido pelo ministro Dalazen, cujo voto desempatou o julgamento deste ponto. Não participaram os ministros Aloysio Corrêa da Veiga e Rernato de Lacerda Paiva.

"Julgamento memorável"
Ao fim do julgamento, o presidente do TST congratulou os ministros da SDI-1 "pela contribuição, pela erudição dos votos, pela serenidade, pela profundidade e pela reflexão". Para Dalazen, a conclusão do caso, iniciado há quase dez anos, "marca a história da Justiça do Trabalho e a atuação do TST", por tratar de matéria de extrema complexidade, que envolvia conflito entre diversos valores e exigia grande reflexão. "A Justiça do Trabalho se esforçou para proferir uma decisão que lhe pareceu a mais correta e sábia, mas sem nenhum demérito para a corrente minoritária, que proferiu votos notáveis pela sua densidade intelectual e jurídica e pela busca de justiça", concluiu.
(Carmem Feijó, Dirceu Arcoverde e Augusto Fontenele)

Processo: RR-120300-89.2003.5.01.0015 – Fase atual: E-ED - Fonte: TST

Tecnologia - Apple é processada por evoluir o iPad rápido demais

O Instituto Brasileiro de Politica e Direito da Informática ajuizou ação contra a Apple acusando-a de realizar “prática comercial abusiva” no lançamento do iPad de quarta geração. A ação está na 12ª vara Cível de Brasília e o juízo negou a liminar requerida.
 
Na ação, foi citado o conceito de “obsolescência programada”. Do modelo original para o iPad 2 foram 14 meses; o da terceira geração chegou um ano depois e sete meses depois veio um novo modelo.

Ao negar a liminar, o juiz de Direito Daniel Felipe Machado considerou ausentes os requisitos legais do perigo da demora.
  • Processo : 2013.01.1.016885-2